Resumo

A memória de trabalho é um sistema cognitivo de armazenamento temporário e manipulação de informações. Segundo o modelo dos multicomponentes, a memória de trabalho é dividida em quatro componentes: um sistema de controle atencional (executivo central), o laço fonológico que mantém o conteúdo verbal-auditivo, o esboço visuo-espacial que armazena a aparência e localização dos objetos e o buffer episódico que registra as informações integradas de diferentes modalidades. Estudos anteriores que empregaram o paradigma de tarefas duplas subsidiaram importantes conclusões a respeito do funcionamento do laço fonológico. Entretanto, para o esboço visuo-espacial, ainda não há consenso sobre os seus mecanismos de funcionamento. Neste sentido, o ruído visual dinâmico (RVD) – um conjunto de células que alternam rápida e aleatoriamente entre o branco e o preto na tela do computador – é uma ferramenta metodológica que pode ser usada como tarefa secundária para estudar a natureza do processamento da informação na memória de trabalho visual. O presente estudo teve como objetivo comparar os efeitos do RVD na memória quando apresentado na codificação, na manutenção (intervalo de retenção), ou durante todo o processo de memorização da informação visual. Trinta e seis participantes realizaram tarefas de reconhecimento de itens visuais (letras em diferentes formas) apresentados seqüencialmente. Em metade das 48 provas realizadas o RVD foi apresentado, e na outra metade não. Para um grupo de participantes o ruído foi apresentado durante a codificação dos itens, para outro grupo durante a manutenção e para outro grupo o ruído ocorreu durante a codificação e manutenção das informações. Os participantes repetiam em voz alta dígitos apresentados pelo experimentador durante a codificação e manutenção para evitar a recitação verbal dos itens. Todo o procedimento foi aplicado e controlado com o uso do software E-Prime®, versão 1.2. A análise geral das respostas corretas à tarefa de reconhecimento visual mostrou que o ruído visual dinâmico ocasionou um prejuízo de 5% na memória em comparação à condição controle [F(1,33)=14,52,p<0,001], sendo que este efeito é expressivo na condição em que a interferência ocorreu durante a codificação da informação. Neste caso, há uma queda de 8% na condição experimental [F(1,11)=11,41,p<0,05]. Os participantes do grupo em que o RVD foi apresentado durante a manutenção obtiveram desempenho médio inferior (M=80% epm=3%) ao dos outros participantes [F(2,33)=4,18,p<0,05]. Os dados obtidos mostram que, mesmo realizando a tarefa secundária de supressão articulatória, o ruído visual dinâmico apresentado de maneira concorrente, e não conseqüente aos estímulos interfere significativamente na memória de trabalho visual. De maneira análoga ao efeito da fala irrelevante na memória verbal, o RVD teve acesso direto ao armazenador visual, competiu com a informação a ser memorizada pelo mesmo sistema de registro, e, por isto, interferiu no desempenho da memória. Supõe-se que os efeitos do RVD se restringiram à etapa de codificação, pois o ruído afetou a apreensão dos detalhes visuais, impedindo o registro adequado da aparência dos estímulos. O exato mecanismo subjacente aos efeitos do RVD permanece em debate. Futuras pesquisas são necessárias para esclarecer se a interferência do ruído depende das propriedades dos estímulos a serem memorizados ou das características físicas do RVD, como cores das células e freqüência de alternância entre elas.