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I.009 | Neurociência e educação: apropriações precipitadas para a prática escolar | Autores: | Claudia Lopes da Silva (FE-USP - Faculdade de Educação - USP) |
Resumo Observam-se atualmente duas tendências, cujo entrelaçamento pode ocasionar resultados preocupantes, e que são o objeto de reflexão deste trabalho. A primeira delas é o avanço da neurociência em áreas fundamentais da educação, como a forma com que a aprendizagem ocorre e a neurofisiologia cerebral, iluminando áreas que até pouco tempo atrás permaneciam pouco elucidadas. A outra tendência é a preocupação crescente dos governos com a melhoria da educação, particularmente com a qualidade da escola pública.
Com a proliferação das notícias sobre o cérebro e os avanços científicos, surge a tentativa de aplicação de tais resultados de forma prática nas escolas, através de programas educacionais, métodos e consultorias. São os chamados programas “brain-based learning”, ou de aprendizagem baseada no cérebro. Além de superficiais e questionáveis, tais propostas podem induzir atitudes discriminatórias. Goswami (2006) cita, por exemplo, um curso que aconselha a identificar as crianças com um crachá com as letras V (visual), A (auditivo) ou K (cinestésico), para orientar de forma objetiva o professor quanto à melhor forma de intervenção didática com cada canal de aprendizagem dos alunos. Desta forma, são lançados produtos e métodos cheios de promessas em relação a temas que preocupam os educadores, porém com pouco embasamento científico e resultados frustrantes. Acabam por perpetuar o que se chama de “neuromitos”, apresentando informações discutíveis como fatos científicos irrefutáveis.
Atualmente, observa-se o aumento desta tendência no Brasil, portanto, o objetivo deste trabalho é ressaltar algumas advertências já feitas sobre o fato na literatura científica da área, bem como articular estas produções com o campo da psicologia escolar crítica, uma vez que se supõe que tal tendência se assemelha a outras anteriormente verificadas no cenário educacional brasileiro, que podem ser resumidas como a crença acrítica em explicações biológicas para questões com importante viés sócio-econômico, como é a questão da escolarização.
A prática pedagógica das escolas, com poucas exceções, permanece tradicional e pouco incorpora inovações em seu cotidiano. Amiúde, quando há alguma falha no processo de escolarização, a primeira hipótese a ser levantada é que a mesma deve-se a características individuais do aluno, e não a questões como os baixos investimentos em educação. A apropriação superficial dos conceitos da neurociência pode se prestar a justificar este tipo de explicação.
Como alerta a Declaração de Santiago, de 2007, onde cientistas e educadores manifestaram sua preocupação com os rumos equivocados que pode tomar a articulação entre neurociência e educação, ainda se observa pouca ênfase no processo da aprendizagem, e sim em seu conteúdo. A busca de uma prática educacional baseada em evidências deve deixar claros os limites em que tais apropriações da neurociência podem ser feitas atualmente, pois se há extraordinários e promissores avanços, ainda há pouca ou quase nenhuma operacionalização prática de aplicação escolar destes aportes.
Conclui-se pela necessidade de incentivar um olhar crítico e cauteloso em relação a essas praticas, a fim de zelar por um melhor processo de ensino-aprendizagem, onde se deve lida com questões concretas e não se buscar fórmulas mágicas.
Referências
GOSWAMI, U. Neuroscience and education. Nature Rev N, 1907:2, 2006.
HIRSH-PASEK, K.; BRUER, J. T, The brain/education barrier. Science. 317:1293, 2007. Palavras-chave: neurociência, educação, psicologia escolar |