Comitê de Diversidade da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento – SBNeC
“Diversidade como ferramenta de progresso científico e justiça social”

I. Introdução
Um dos principais desafios do mundo globalizado é abarcar de forma justa toda a diversidade presente nos vários nichos sociais. Como seria de se esperar, tal diversidade também se expressa no meio acadêmico e, nesse contexto, a Neurociência brasileira é formada por cientistas de diversas origens e grupos sociais. Apesar de todos eles, individualmente, enfrentarem desafios únicos, alguns desses grupos compartilham desafios comuns, frutos de um contexto histórico e/ou de uma estrutura social de opressão.
Nesse sentido, a diversidade é um fenômeno que perpassa o indivíduo, sendo um atributo de grupo que pode se manifestar em diversas dimensões. Essas dimensões incluem, por exemplo, etnia, gênero, orientação sexual ou contexto socioeconômico, se manifestando de maneira interseccionada em cada indivíduo.
Portanto, aumentar a diversidade de um grupo de pesquisa também acarreta em maior diversidade de ideias e perspectivas. No contexto científico, isso potencializa desde o processo de formulação de hipóteses até a execução da pesquisa e divulgação científica, promovendo a excelência. Dessa forma, a criação de políticas que fomentem a diversidade nos ambientes acadêmicos pode ser vista como, além de um dever moral, uma forma de melhorar a qualidade da ciência desenvolvida.
Esse aumento de eficiência relacionado com o aumento da diversidade de um grupo também é conhecido em outros campos. Por exemplo, organizações com maior diversidade étnica e de gênero possuem maior probabilidade de serem bem sucedidas, inclusive financeiramente. No contexto científico, a maior diversidade de gênero se correlaciona com melhor desempenho de um grupo na resolução de tarefas simples ou complexas (Woolley et al., 2015, U.S. General Accounting Office, 2001).
Em alguns casos, a pouca representatividade de alguns grupos na ciência pode afetar o delineamento experimental, os resultados da pesquisa e sua interpretação. Como exemplo disso vemos a necessidade de ajuste na prescrição de drogas de acordo com etnia (Morgan et al., 2011) e o viés dos profissionais de saúde nas intervenções junto aos pacientes de acordo com raça/gênero dos pacientes (Fitzgerald e Hurst, 2017). Vieses na pesquisa poderiam ser evitados com o aumento da diversidade dos pesquisadores envolvidos, já que grupos mais diversos têm maior probabilidade de investigar questões que não se limitam a um pequeno segmento da sociedade.
Embora seja importante ressaltar o papel da diversidade e da inclusão sob a ótica da eficiência, elas também se justificam sob um ponto de vista moral. Nós indivíduos, como seres político-sociais, estamos sempre fazendo uma leitura do mundo que nos cerca, ao passo que agimos sobre ele. Essa práxis, uma mistura inseparável de ação-reflexão, nos convida a questionar constantemente o nosso papel como atores sociais, levando também ao questionamento das estruturas da sociedade (Política e Educação, Paulo Freire). Isso se evidencia ainda mais na ciência, pelo seu papel de investigação do mundo, relacionando esse dever moral como indivíduo a uma ética profissional.
A sub-representação de grupos sociais na ciência está associada, em grande parte, a dois fatores importantes e inter-relacionados – viés implícito e ameaça de estereótipo. A formação de impressões do mundo é moldada por experiências passadas e são implicitamente influenciadas pelo ambiente (incluindo social, cultural e político), sem a consciência de tal influência. Associações implícitas de características específicas a membros de um grupo social (definido por gênero, raça, idade, etnia, aparência e muitos outros) afetam decisões e comportamentos, sendo são mais preditivas de atitudes do que as crenças explícitas do indivíduo.
A associação implícita de estereótipos de baixa capacidade intelectual, socialmente construídos e sem base na realidade, é mais prevalente do que o preconceito explícito, o que significa que mesmo as pessoas que conscientemente acreditam e defendem princípios de igualdade e justiça podem ter preconceitos implícitos que as levam a julgar desfavoravelmente indivíduos pertencentes aos grupos estigmatizados. Além disso, esses grupos apresentam prejuízo no desempenho cognitivo quando avaliados em contextos que ressaltam este viés implícito, fenômeno denominado “ameaça pelo estereótipo” e amplamente descrito na literatura (revisão em Spencer et al, 2016).
Assim, observa-se subestimação sistemática da verdadeira capacidade e potencial de pessoas em grupos que são estereotipados negativamente em ambientes intelectuais. Esses obstáculos, não relacionados ao mérito, certamente minam as aspirações a prosseguir na carreira acadêmica. Reconhecer e divulgar o fato de que o preconceito implícito e a ameaça de estereótipo estão presentes na academia (bem como em outros domínios) é um passo importante para desconstruir o desequilíbrio prejudicial de oportunidades para muitos grupos sub-representados e promover a equidade.
Por fim, outro aspecto que deve ser destacado na defesa da diversidade e inclusão na ciência é como esta última se estrutura nacionalmente. No Brasil, a ciência é feita majoritariamente em instituições públicas, principalmente universidades, e financiadas pelo Estado. Neste contexto, é essencial que a ciência seja representativa, seguindo as diretrizes de Universalidade presentes na Constituição brasileira, sendo realizada por e para todos os grupos que compõem a sociedade.
Alguns autores chamam atenção para o potencial das Sociedades Científicas em promover a diversidade. Por existirem de forma independente de outras instituições e apresentarem maior rotatividade de gestão, essas entidades possuem maior flexibilidade de implementação de novas políticas. Além disso, a grande participação de estudantes, a filiação voluntária (independente da avaliação de um comitê) e o fato da Diretoria ser eleita em assembleia dos membros contribui para a criação de um ambiente diverso (James et al., 2019; Potvin et al., 2018).
Considerando as ideias expostas acima, acreditamos que é um dever social  reconhecer as opressões sofridas por grupos minoritários e criar mecanismos para combatê-las. Propomos neste documento a criação do ‘Comitê de Diversidade da
SBNeC’ e uma série de medidas a serem adotadas para este fim. Essas medidas defendem o empoderamento e a igualdade de oportunidades e de inclusão dos diferentes segmentos sociais, reconhecendo que a Neurociência contribui de modo determinante para o enfrentamento dos desafios atuais e para a manutenção da saúde, equidade, justiça e progresso da vida e apoiando-se na ideia de que uma ciência mais diversa, humana e justa é uma ciência melhor, com maior possibilidade de servir a sociedade (Nielsen et al., 2017).

II. Objetivos
Envolver a comunidade de estudantes, professores, pesquisadores e profissionais liberais membros da SBNeC no exercício de pensar, propor e executar ações para a redução das barreiras estruturais, arquitetônicas, atitudinais e comunicacionais promovendo a diversidade e inclusão para a garantia da equidade e dos direitos humanos.

III. Atividades
Trabalhar ativamente para a diminuição das barreiras arquitetônicas, atitudinais e de comunicação para promover a inclusão e diversidade;
Coletar, analisar, divulgar e disponibilizar os dados acerca da participação dos diferentes grupos sociais nos encontros anuais da SBNeC;
Analisar, divulgar e assessorar a Diretoria e a Comissão Científica da SBNeC sobre a representatividade dos diferentes grupos em posições de gestão, indicação de prêmios, palestrantes em cada modalidade de evento, entre outros;
Identificar focos de ação estratégicos para o aumento da diversidade e inclusão da SBNeC;
Disponibilizar canais para coleta de possíveis demandas dos outros membros da Sociedade relacionadas à temática de diversidade e inclusão;
Propor políticas e práticas de diversidade e inclusão a serem apreciadas pelos membros da sociedade e/ou pela diretoria da SBNeC;
Auxiliar a Diretoria na captação de recursos de apoio às ações de inclusão e garantia de acessibilidade;
Avaliar os resultados das ações propostas, identificando suas falhas e sucessos, e reformulando-as quando necessário.

IV. Composição do comitê e estilo de governança
O comitê será composto por no mínimo 3 e no máximo 8 participantes, sendo aberta a participação a qualquer membro da Sociedade que queira contribuir. As decisões serão tomadas preferencialmente por consenso. Em caso de impasse nas deliberações do comitê as decisões serão tomadas seguindo a maioria democrática, e em caso de empate a diretoria será consultada.
A soma total de indivíduos no grupo deverá representar múltiplas dimensões da diversidade em toda a Sociedade, idealmente contemplando a diversidade de:
i) gênero, com distribuição equitativa dos diversos gêneros, havendo pelo menos metade de integrantes que se identifiquem como mulheres (levando em consideração que ~60% dos sócios da SBNeC se identificam como mulheres);
ii) raça e etnia;
iii) região geográfica;
iv) estágio na carreira;
v) orientação sexual (e.g., LGBTQIA+);
vi) pessoas com deficiências; ou
vii) outros grupos minoritários.

Sobre o tempo de permanência
– Cada chapa terá um mandato de 2 anos.
– Caso algum membro do Comitê precise se ausentar durante o mandato, uma nova chamada de membros poderá ser realizada para preencher a vaga. Nesse caso, o novo membro poderá ser selecionado pelo próprio Comitê, seguindo os
critérios de diversidade.

Sobre a seleção de integrantes
– Bianualmente uma mensagem será enviada ao Boletim da SBNeC com uma chamada para inscrições ao Comitê.
– As/os interessadas/os devem enviar uma carta de motivação para fazer parte do Comitê e um mini CV com informações relevantes e em quais minorias se enquadram. A carta, juntamente com as informações, não deve exceder duas páginas.
– O Comitê vigente organizará a formação de chapas para votação na assembleia da reunião da SBNeC. No caso do número de aplicações não exceder o número máximo de membros do comitê, os candidatos formarão uma chapa única. Caso o número de aplicações exceda o número máximo de membros do comitê, será requerido aos candidatos que se organizem em chapas tentando maximizar sua diversidade.
– Ao inscrever-se para compor o Comitê, a/o interessada/o deve:
i) Ser associada/o à SBNeC.
ii) Preferencialmente ter alguma experiência comprovada em assuntos relacionados a questões de diversidade e inclusão (ex.: publicações em periódicos indexados e/ou  em revistas especializadas ou de divulgação; participação/coordenação de projetos de extensão na área e/ou blog; podcast; canal Youtube; atividade em sociedade civil organizada, etc).
– Especialmente para a formação do primeiro Comitê, este será composto pelos membros desta comissão pro-tempore, tendo duração de 2 anos.

V. Reuniões e Processo
O comitê deve se reunir, presencial ou virtualmente, pelo menos uma vez a cada 4 meses. Reuniões especiais poderão ser convocadas pelo comitê de acordo com a necessidade. A pauta das reuniões será encaminhada a todos os membros pelo menos sete dias antes das reuniões ordinárias.
Os membros do comitê que desejarem propor pontos de pauta devem notificá los pelo menos 10 dias antes da reunião. Mediante notificação apropriada, as reuniões do comitê podem receber outros membros da sociedade e/ou convidados.
Um quorum mínimo de metade dos membros da comissão (arredondado para cima) será necessário em cada reunião. Em cada reunião um dos membros do comitê ficará responsável por elaborar uma ata das discussões e recomendações.
Após a aprovação da ata pelos membros do Comitê, esta será disponibilizada a todos os sócios em até 30 dias da data da reunião.

VI. Declaração de diversidade
Por diversidade se entende:
Qualidade ou condição daquilo que é diverso, diferente, variado. A diversidade, embora seja um fenômeno que se expressa num grupo, se relaciona com o direito de liberdade do indivíduo para exercer sua autodeterminação (incluindo, entre outras, características de idade, herança étnica, raça, cor da pele, geografia, nacionalidade, idioma, cultura, campo de estudo/trabalho/pesquisa, sexo, identidade de gênero, expressão de gênero, orientação sexual, religião habilidades e deficiências físicas).
A SBNeC, através da criação deste comitê, se compromete a promover políticas de diversidade e inclusão, seguindo uma filosofia de equidade de oportunidades e tratamento para todos os participantes e funcionários desta Sociedade. Propiciando uma atmosfera que incentiva a livre expressão e o intercâmbio de ideias científicas e educacionais.

VII. Casos omissos
Situações extraordinárias e casos omissos não previstos por este regimento poderão ser definidos pelo Comitê e pela diretoria da SBNeC.

VIII. Membros do Comitê pro tempore
Alfred Sholl Franco – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ana Cleide Vieira Gomes Guimbal de Aquino – Universidade Federal Rural da Amazônia
Bryan da Costa Souza – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Eliane Volchan – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Fátima Cristina Smith Erthal – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Karin da Costa Calaza – Universidade Federal Fluminense
Tatiana Lima Ferreira – Universidade Federal do ABC
Vinícius Valentino Maria – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Referências Bibliográficas:
FitzGerald C, Hurst S (2017) Implicit bias in healthcare professionals: a systematic review. BMC Medical Ethics vol 18: 19.
Freire P (2014) Política e Educação. 3º edição. Editora: Paz & Terra.
James A, Chisnall R, Plank MJ. (2019) Gender and societies: a grassroots approach to women in science. R. Soc. open sci. 6: 190633.
Morgan S, Hanley G, Cunningham C, Qua H (2011) Ethnic differences in the use of prescription drugs: a cross-sectional analysis of linked survey and administrative data. Open Med 5(2): e87–e92.
Nielsen MW, Alegria S, Börjeson L, Etzkowitz H, Falk-Krzesinski HJ, Joshi A,
Leahey E, Smith-Doerr L, Woolley AW, Schiebinger L (2017) Gender diversity leads to better science. PNAS 114 (8) 1740-1742.
Potvin DA, Burdfield-Steel E, Potvin JM, Heap SM (2018) Diversity begets diversity: A global perspective on gender equality in scientific society leadership. PLoS ONE 13(5): e0197280.
Spencer SJ, Logel C, Davies PG (2016) Stereotype Threat Annu. Rev. Psychol 67:14.1–14.23.
Woolley AW, Aggarwal I, Malone TW (2015) Collective intelligence and group performance. Curr Dir Psychol Sci 24(6):420–424.